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quinta-feira, junho 30, 2005

O pesadelo do Parreira e o sonho do torcedor 

Diego Corneta

— Trim, trim...
— Ãnh.. Cof! Ahhh... Alô? – atende Zagallo, meio acordado, meio dormindo; meio vivo, meio morto.
— Zagallo? Sou eu, o Parreira. Estava dormindo?
— Claro! São 4h00 da madrugada!
— Desculpe, me esqueci do fuso. Aqui na Alemanha são 9h00 da manhã.
— Que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Tive um pesadelo, sonhei com a minha morte.... – falou Parreira com a voz trêmula.
— Você também?!? – espanta-se o Zagallo. — Eu também ando sonhando muito com a minha morte. Sonhando, sentindo e até vendo. Precisa ver só, achei que dessa vez eu fosse mesmo... Cof! Cof!
— Sei. Está melhor agora, não é? Mas eu vi o meu túmulo no cemitério São João Batista! Eu vi! Estava lá, com uma lápide enorme e lustrosa...
— Credo! Vade retro, cof, satanás! Desse tipo de sonho, cof, eu nunca tive, e como foi?
— Horrível. Minha lápide tinha apenas uma palavra como epígrafe....
— E o que estava escrito?
— RETRANQUEIRO.
— Como?
— Assim mesmo, RETRANQUEIRO. Em letras maiúsculas enormes. Somente isso, mais nada. Suei frio de tanto medo....
— Conta, cof!, mais, conta mais...
— Mais o que? Não basta isso? Sonhei perfeitamente com o meu próprio túmulo e lá estava escrito: Carlos Alberto Parreira. Nascido em tal, tal, tal. Falecido em tal, tal, de tal. Retranqueiro.
— Deus me livre e guarde! – Berrou o velho Lobo; — Cof! COOF!
— Tudo bem?
— Tudo. Só tosse, cof, só tosse. Não viu a data da morte?
— Não, ainda bem. Mas vi o bastante para me tirar o sono. Tenho que fazer alguma coisa para mudar isso...
— Fazer o que? Foi só um... cof, cof, sonho, esquece.
— Foi muito real, foi uma visão. Uma visão! É isso, uma visão divina a mim concedida. Vou mudar o futuro. A partir de agora vou jogar para frente! – exclamou um decidido Parreira.
— Você está, cof, louco??? Assim não dá, assim não vai. Faz que nem o Felipão, cof, bota três zagueiros, dois volantes e dois laterais que marcam.
— Não, vou manter o quarteto ofensivo. Eu vi minha lápide com meus próprios olhos, e lá estava: “RETRANQUEIRO”. Vou mudar isso. Tchau, preciso desligar. Volta a dormir, desculpe ter te acordado.
— Dormir? Não posso mais. Se minhas contas estiverem certas, já tossi 13 vezes! Depois disso, não posso mais dormir. Aí quem vai sonhar com morte vai ser eu... Tchau. – despede-se Zagallo.
— Você e esse número 13... Tchau. – Parreira desliga o telefone.

Moral da história:
O que aconteceu depois, todo mundo já sabe. Parreira entrou com o quarteto contra a Argentina e assistiu os brasileiros darem uma aula de samba aos milongueiros amantes do tango. Foi talvez a melhor apresentação da seleção sob o comando do Parreira, desde o longínquo ano de 1992... Não foi um jogo qualquer, foi uma final de um torneio contra a Argentina, um time cuja qualidade dispensa maiores comentários.

E o Brasil jogou. Jogou muito. Jogou como uma equipe. Assim, jogando coletivamente abrem-se os espaços para brilharem os talentos individuais, destaco dois: Cicinho e Adriano. O habilidoso lateral são-paulino jogou muito, participou dos quatro gols e já merece ser titular na posição de Cafu. Adriano teve três chances e guardou dois golaços. A seleção ainda viu Lúcio (quem diria!!!), Ronaldinho, Zé Roberto, Robinho e Kaká jogarem muito bem. Deu tudo certo, Robinho abriu pela esquerda (como está acostumado a jogar no Santos) e participou de boas jogadas, com dribles e uma bomba na trave. Kaká foi um leão no meio de campo e fez vários desarmes, ajudou na marcação e ajudou no ataque; foi premiado com um golaço. Ronaldinho, mesmo muito marcado, conseguiu abrir espaços, driblou, passou, bateu, apanhou e também deixou o seu.

O quarto gol foi maravilhoso. Depois de quase três minutos tocando a bola, com os argentinos na roda, o genial Ronaldinho percebeu o Cicinho livre na direita e inverteu o jogo. Cicinho matou já olhando para a área, com mais um toque na bola alçou-a perfeitamente na cabeça do Adriano. O Tanque da Inter de Milão posicionou-se entre os zagueiros e desferiu uma cabeçada clássica. Com impulsão e uma testada certeira de olho aberto, forte e para baixo, exatamente como manda a regra do bom cabeceio. Um golaço para ser lembrado por muito tempo. O time venceu, convenceu e mostrou que é possível sim um time ofensivo, criativo e solidário. 2006 que nos espere, desde a Copa do 1982 – há mais de 20 anos – que não tínhamos uma equipe com tantos excelentes jogadores e craques. E, se a história teimar em se repetir e fomos precocemente eliminados em 2006, sairemos de cabeça erguida, jogando para frente. E não como em 1990, com um time burocrático e previsível. Somos favoritos sim, e nunca pensei que fosse escrever isso aqui, mas como está na moda, visto as sandálias da humildade e digo: Parabéns, Parreira. Podemos dormir tranqüilos. E o Parreira também.

PS: A primeira parte do texto foi livremente inspirada no texto “Zagallo e a Posteridade”, do Luis Fernando Veríssimo, publicado nos jornais e reproduzido no livro “A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto”. Justiça seja feita, plágio é crime. Plágio é feio.

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